quarta-feira, 10 de agosto de 2016

Breves exercícios de escrita durante aula da oficina de três dias com Mauricio Salles Vasconcelos


     O ato de sentar-me neste banco já me torna, antes que eu escreva, a despeito da sombra da copa da árvore dançando sobre o papel. E não pense que descobrirá aqui outro Grande Mistério do Ser. Ele existe, mas não é grande. Também tenho minhas dúvidas quanto ao mistério. (Já o ser não existe.) Se olho por muito tempo esta copa, por exemplo, as folhas tremendo entreluz e é isso. De que servem metáforas se elas se esvaziam antes mesmo que eu escreva que sou isso que escrevo, eu que de novo não tenho nada? Flexiono pessoas e não conjugo mais os tempos. Fico como novo a cada olhar e já nem me estranho. E ainda assim permaneço, palavra. Digo o que vejo; escuto o que mastigo. Às vezes, acabo engolindo um pedaço inteiro, e me leio.

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     Uma formiga subindo a parede da sala em linhas curvas chamou-me a atenção, enquanto a filósofa questiona a ânsia de significado humana. Entre as fendas e lascas da camada de tinta ela desaparecia para logo voltar como se o caminho jamais pudesse ter sido outro em sua memória de formiga, mas a filósofa não lhe nega a escalada, tampouco o direito de ser. Mas por que, sendo um inseto do coletivo, a formiga estava– onde foi parar? Perdi-a de vista. A parede segue branca.

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     Apertei meus olhos para enxergar melhor através do vidro. Era você; sentado no vagão, a cabeça baixa, um livro aberto nas mãos. Quis lê-lo. De pé no vagão do outro trem ao lado, devorei-o como se meu desejo tivesse a força de arrancá-lo da sua leitura para que você erguesse a cabeça e me visse ali. O apito das portas soou, elas se fecharam, você calmamente virou uma página. E enquanto meu trem deslizava partindo da plataforma, no assento à sua frente um bebê no colo da mãe batia a palma das mãos contra o vidro da janela. Ele parecia olhar divertido na minha direção.

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     Ai, sem ar-condicionado não dá. Foda-se que não é verão. A gente mora na cidade. Você já viu estação bem definida aqui? Cada dia é uma estação. Hoje mesmo no ônibus eu quase morri. Fiquei espremido na ponta do pé o caminho todo todo pra chegar até aqui. Era como se o próprio corpo das pessoas grudadas em mim me segurasse pra eu não cair. O motorista freava e todo mundo ia em bloco pra frente, pra trás, pra frente, pra trás. Eu podia sentir a respiração do homem na minha nuca e o suor nas minhas costas grudando na barriga dele. Tenho certeza de que senti alguma coisa me cutucando! E ainda por cima a bateria do meu celular tinha acabado, não dava nem pra me distrair. Ou pedir o número dele, haha! Enfim, minha comida apitou aqui, vou comer porque hoje só passei com dois salgados. Depois te respondo aquilo!

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     Não entendo esses rabiscos no alto dos prédios mas vê-los lá me faz lembrar que o céu e a periferia são os limites.